Já o
admirava de longe. E via sua importância histórica e seu entusiasmo pelo
universo da criação cultural. Gérmen que contaminava a mim e vários outros
pernambucanos que buscavam uma identidade distinta. Outros sonhadores que se
multiplicam até hoje. Nós tínhamos um complexo de vira-latas gritante. Havíamos
saído de ressaca dos anos oitenta. Nossa cultura popular era coisa sem
fundamento e importância. As discotecas ainda pululavam nos bailes pelo país a
fora e nas rádios movidas a Jabá. Eis que surge para mim, o paraibano, com a
família advinda de Taperoá, dando uns socos de possibilidades e descobertas.
Ele foi o fundador do Movimento Armorial que inspirado
nas raízes da nordestina em seus aspectos da cultura árabe e latina e em seus
grandes autores, intencionava tornar a cultura nordestina reconhecida e
valorizada internacionalmente por meio de seus valores universais.
Sentia
seus traços no que se manifestava no seu alfabeto de fonte armorial baseado nos
ferros do gado, na música, Antônio Carlos Nóbrega, Antônio e Antúlio Madureira.
Quinteto Armorial, Sá Grama, entre outros, Na dança, A Busca do Graal Dançado,
nas artes plásticas, Gilvan Samico, na escultura com Brennand, no teatro com
seus belos e memoráveis textos sendo montado cada vez mais por diversos grupos
e outros textos surgindo sem parar, como na literatura de Raimundo Carreiro com
um nuance urbana totalmente distinta. Até culminar na montagem do Auto da
Compadecida para o cinema mostrando um pouco do impacto de sua visão estética e
transcendental.
Tive a
oportunidade de marcar uma audiência com ele, quando o mesmo era secretário de
cultura do Estado da gestão de Arraes para ele liberar a montagem de um texto
que seria montado com atores iniciantes. Ele nos recebeu e prontamente liberou a
obra em um documento de próprio punho. O texto de então era o Santo e a Porca.
Uma montagem de um grupo teatral camaragibense. Este espetáculo circulou pela
cidade e em alguns outros municípios. Ganhamos alguns prêmios, eu ganhei o de
ator revelação no Festival de Teatro de Bolso com o Personagem Pinhão, o qual
fazia um gago namorador e presepeiro. Deste lembro também da elogiada
apresentação no Congresso da então FETEAPE – Federação de Teatro Amador de
Pernambuco, em Camaragibe.
Já tinha
assistido, no mínimo, duas vezes a suas Aulas Espetáculos, único assunto que
poderia puxar com ele, que proferia por todo país juntando conhecimentos
acadêmicos com causos e vivências pessoais. Achava-o parecido com Poliquarpo
Quaresma em seus arroubos na defesa de nossa pobre gente que foi moldada,
deliberadamente, pelo modo de pensar externo, americano, inglês, francês, etc. Uma
das coisas engraçadas que ele dizia é que quando os Estados Unidos queriam
acabar com um país, não estavam mandando mais bombas, ele mandava Madonna e
Michael Jackson. Eu entendia tudo. Sabia da importância e da existência da
dominação cultural. O povo gargalhava e aplaudia compulsivamente. Logo depois,
ele quebrou um pouco desse extremismo com o advento de Chico Science, no qual
não simpatizava inicialmente, mas foi ao seu enterro prematuro em prantos, por
reconhecer naquele outro ícone que mostrou possibilidades multicoloridas e
infinitas de nosso chão e nosso céu refletido na lama do mangue.
Muitas estórias
confabulam-se sobre ele. Uma delas é que alguém disse a ele que só seria um
grande escritor, se saísse do Brasil. Ele de pirraça. Pelo que andei vendo,
nunca saiu. E se firmou um escritor importantíssimo e único. Outro episódio, em
um evento em sua homenagem onde o mesmo havia sido barrado na entrada por não
estar de paletó e gravata. Saiu e conseguiu o traje a rigor. Daí, durante o Buffet
e a sopa servida, o prato principal, ele colocou a gravata dentro do prato pra
bebê-la. Todos o avisaram pensando ele estar distraído, onde este diz
peremptoriamente que a gravata era mais importante que ele. Então ela que
deveria tomar a sopa.
Outra
estória seria não sei de sua veracidade, a de que outro colega escritor e
filósofo pernambucano Jomard Muniz de Brito, seu ex-aluno de estética da UFPE
que havia escrito um texto fortíssimo no jornal, desqualificando ele e o
movimento armorial, em detrimento do tropicalismo, de Caetano, Gil, o qual defendia
e trocavam farpas. Ariano saiu andando a sua procura. Como não encontrou,
perguntou por ele a um conhecido que disse que não veio. Ariano prontamente
deu-lhe um soco, dizendo, para que o seu amigo repassasse para o autor da
coluna. Não sei, onde isto é boato ou verdade.
Posteriormente,
montamos Torturas de Um Coração já com a Cia Popular de Teatro de Camaragibe.
Espetáculo este que nos fez mergulhar ainda mais em seu universo, e em saber
que este texto foi criado para teatro de mamulengo para Zélia, sua esposa e fez
sucesso pela sua simplicidade de gênio. Os artistas geniais são simples e
densos.
Outro
fato interessante e único foi em Camaragibe também, onde já foi homenageado
presencialmente em um Carnaval e tinha o devido respeito. Mas, certa vez um
artista local o convidou para receber uma homenagem. E este divulgou aos quatro
cantos que o mesmo iria dar uma aula espetáculo. O mesmo foi pra lá, muito
aplaudido. Auditório lotado, todos esperando suas estórias. No entanto, o
mesmo, recebeu a homenagem, deu boa noite e foi embora. Ficamos olhando um para
cara dos outros. Ele era excêntrico.
Fato
memorável, também, foi em um polêmico evento em que fora homenageado, mesmo
sendo gestor público. E os atores receberiam uma grande soma para fazer uma
leitura dramatizada de uma de suas peças. Ele foi lá assistir orgulhoso. Mas, a
classe teatral e o pessoal mais crítico, desceu uma grande vaia. Ele, seguro e
esperto. Saiu soltando beijos. Grande e polêmica figura.
Ele
revolucionou a cultura pernambucana, nordestina, brasileira. E se hoje temos um
pouco de orgulho do que somos. Devemos bastante coisa a ele. Mas, como Sísifo,
sua luta ainda não findou e a sua morte seja uma oportunidade para mergulharmos
de corpo e espírito em sua inquietação incessante na busca de nossas origens e
em sua necessária sublimação, em um eterno recomeço.
Hoje, residindo,
Em Guarabira, na Paraíba, vejo a sua importância e a necessidade de que seu
conhecimento se expanda para todo país. Para defendermos, com dignidade cultural,
cada palmo deste chão.
Grande abraço, Mestre Ariano. Siga na fé.