quarta-feira, 23 de julho de 2014

Eu e Ariano Suassuna. Morre o homem. Nasce o mito.



Já o admirava de longe. E via sua importância histórica e seu entusiasmo pelo universo da criação cultural. Gérmen que contaminava a mim e vários outros pernambucanos que buscavam uma identidade distinta. Outros sonhadores que se multiplicam até hoje. Nós tínhamos um complexo de vira-latas gritante. Havíamos saído de ressaca dos anos oitenta. Nossa cultura popular era coisa sem fundamento e importância. As discotecas ainda pululavam nos bailes pelo país a fora e nas rádios movidas a Jabá. Eis que surge para mim, o paraibano, com a família advinda de Taperoá, dando uns socos de possibilidades e descobertas.
 Ele foi o fundador do Movimento Armorial que inspirado nas raízes da nordestina em seus aspectos da cultura árabe e latina e em seus grandes autores, intencionava tornar a cultura nordestina reconhecida e valorizada internacionalmente por meio de seus valores universais.
Sentia seus traços no que se manifestava no seu alfabeto de fonte armorial baseado nos ferros do gado, na música, Antônio Carlos Nóbrega, Antônio e Antúlio Madureira. Quinteto Armorial, Sá Grama, entre outros, Na dança, A Busca do Graal Dançado, nas artes plásticas, Gilvan Samico, na escultura com Brennand, no teatro com seus belos e memoráveis textos sendo montado cada vez mais por diversos grupos e outros textos surgindo sem parar, como na literatura de Raimundo Carreiro com um nuance urbana totalmente distinta. Até culminar na montagem do Auto da Compadecida para o cinema mostrando um pouco do impacto de sua visão estética e transcendental.
Tive a oportunidade de marcar uma audiência com ele, quando o mesmo era secretário de cultura do Estado da gestão de Arraes para ele liberar a montagem de um texto que seria montado com atores iniciantes. Ele nos recebeu e prontamente liberou a obra em um documento de próprio punho. O texto de então era o Santo e a Porca. Uma montagem de um grupo teatral camaragibense. Este espetáculo circulou pela cidade e em alguns outros municípios. Ganhamos alguns prêmios, eu ganhei o de ator revelação no Festival de Teatro de Bolso com o Personagem Pinhão, o qual fazia um gago namorador e presepeiro. Deste lembro também da elogiada apresentação no Congresso da então FETEAPE – Federação de Teatro Amador de Pernambuco, em Camaragibe.
Já tinha assistido, no mínimo, duas vezes a suas Aulas Espetáculos, único assunto que poderia puxar com ele, que proferia por todo país juntando conhecimentos acadêmicos com causos e vivências pessoais. Achava-o parecido com Poliquarpo Quaresma em seus arroubos na defesa de nossa pobre gente que foi moldada, deliberadamente, pelo modo de pensar externo, americano, inglês, francês, etc. Uma das coisas engraçadas que ele dizia é que quando os Estados Unidos queriam acabar com um país, não estavam mandando mais bombas, ele mandava Madonna e Michael Jackson. Eu entendia tudo. Sabia da importância e da existência da dominação cultural. O povo gargalhava e aplaudia compulsivamente. Logo depois, ele quebrou um pouco desse extremismo com o advento de Chico Science, no qual não simpatizava inicialmente, mas foi ao seu enterro prematuro em prantos, por reconhecer naquele outro ícone que mostrou possibilidades multicoloridas e infinitas de nosso chão e nosso céu refletido na lama do mangue.
Muitas estórias confabulam-se sobre ele. Uma delas é que alguém disse a ele que só seria um grande escritor, se saísse do Brasil. Ele de pirraça. Pelo que andei vendo, nunca saiu. E se firmou um escritor importantíssimo e único. Outro episódio, em um evento em sua homenagem onde o mesmo havia sido barrado na entrada por não estar de paletó e gravata. Saiu e conseguiu o traje a rigor. Daí, durante o Buffet e a sopa servida, o prato principal, ele colocou a gravata dentro do prato pra bebê-la. Todos o avisaram pensando ele estar distraído, onde este diz peremptoriamente que a gravata era mais importante que ele. Então ela que deveria tomar a sopa.
Outra estória seria não sei de sua veracidade, a de que outro colega escritor e filósofo pernambucano Jomard Muniz de Brito, seu ex-aluno de estética da UFPE que havia escrito um texto fortíssimo no jornal, desqualificando ele e o movimento armorial, em detrimento do tropicalismo, de Caetano, Gil, o qual defendia e trocavam farpas. Ariano saiu andando a sua procura. Como não encontrou, perguntou por ele a um conhecido que disse que não veio. Ariano prontamente deu-lhe um soco, dizendo, para que o seu amigo repassasse para o autor da coluna. Não sei, onde isto é boato ou verdade.
Posteriormente, montamos Torturas de Um Coração já com a Cia Popular de Teatro de Camaragibe. Espetáculo este que nos fez mergulhar ainda mais em seu universo, e em saber que este texto foi criado para teatro de mamulengo para Zélia, sua esposa e fez sucesso pela sua simplicidade de gênio. Os artistas geniais são simples e densos.
Outro fato interessante e único foi em Camaragibe também, onde já foi homenageado presencialmente em um Carnaval e tinha o devido respeito. Mas, certa vez um artista local o convidou para receber uma homenagem. E este divulgou aos quatro cantos que o mesmo iria dar uma aula espetáculo. O mesmo foi pra lá, muito aplaudido. Auditório lotado, todos esperando suas estórias. No entanto, o mesmo, recebeu a homenagem, deu boa noite e foi embora. Ficamos olhando um para cara dos outros. Ele era excêntrico.
Fato memorável, também, foi em um polêmico evento em que fora homenageado, mesmo sendo gestor público. E os atores receberiam uma grande soma para fazer uma leitura dramatizada de uma de suas peças. Ele foi lá assistir orgulhoso. Mas, a classe teatral e o pessoal mais crítico, desceu uma grande vaia. Ele, seguro e esperto. Saiu soltando beijos. Grande e polêmica figura.
Ele revolucionou a cultura pernambucana, nordestina, brasileira. E se hoje temos um pouco de orgulho do que somos. Devemos bastante coisa a ele. Mas, como Sísifo, sua luta ainda não findou e a sua morte seja uma oportunidade para mergulharmos de corpo e espírito em sua inquietação incessante na busca de nossas origens e em sua necessária sublimação, em um eterno recomeço.
Hoje, residindo, Em Guarabira, na Paraíba, vejo a sua importância e a necessidade de que seu conhecimento se expanda para todo país. Para defendermos, com dignidade cultural, cada palmo deste chão.


Grande abraço, Mestre Ariano. Siga na fé. 



Que bicho é esse?

  Esta linda espécie, é a Mabuya nigropunctata,  pertencente à sub-família Lygosominae, pode ser encontrada por toda a Floresta Amazônica, a...